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diariobombeiro



Segunda-feira, 25.03.13

Sensibilização: Bombeiros caem a um poço durante combate a incêndio

9 de Julho de 2008

Era quase meia-noite, o telefone tocou, já me preparava para ir descansar e pela hora quase de certeza que se tratava de um serviço para ser feito. Não me enganei, o CDOS (comando distrital de operações de socorro) mandou-nos para Boelhe auxiliar os colegas de Penafiel num incêndio florestal. Fomos para o local no VFCI-04, estava uma noite quente e quase não havia vento.
 
Ao passarmos na barragem do Torrão já se avistava o fogo, e então pensei, mais uma noite perdida, sim, porque só por aquilo que conseguia ver, dava para ter a perceção que seria um incêndio demorado. Quando chegámos ao local parecia que o inferno tinha descido à terra, o incêndio lavrava em várias frentes com bastante intensidade muito por culpa do vento que aqui já se fazia sentir, protegi-me o mais que pude com todo o meu EPI (equipamento de proteção individual), pois o vento encarregava-se de transportar muitas faúlhas pelo ar.
 
No local já estavam várias viaturas de outros corpos de bombeiros e mesmo assim o incêndio não nos dava tréguas, fomos para um local definido pelo COS (comandante de operações de socorro) e demos inicio ao nosso trabalho, o vento era sem dúvida o inimigo numero um, as faulhas deslocavam-se a uma velocidade impressionante, os cuidados tinham que ser redobrados pois corríamos o risco de haver uma projecção de fogo e a qualquer momento poderíamos ficar cercados pelo fogo. Felizmente isso não aconteceu, passado algum tempo chegaram mais meios vindos de outras corporações, e depois de uma batalha desigual o fogo começava finalmente a ceder, o vento também nos deu uma ajuda preciosa, pois tinha abrandado de forma considerável e pudemos finalmente dominar o incêndio.
 

Depois de já termos gasto cinco carros de água, começamos a fazer rescaldo na frente que nos encontrávamos, e já com o incêndio completamente extinto recebemos a indicação para nos deslocarmos para um descampado, para abastecermos a viatura e posteriormente ali permanecermos e aguardar por novas indicações, digamos que era uma especie de ZCR (zona de concentração de reserva). Estava exausto, as ultimas horas tinham sido de muito trabalho, ainda por cima sempre na frente do fogo de agulheta na mão, olhei rapidamente para o relógio, eram quase quatro da manhã, e então tive a certeza que a noite estava perdida, mas com um pouco de sorte se tudo corresse bem, talvez fossemos desmobilizados e assim ainda teria algum tempo para descansar antes de voltar ao trabalho diario, mas como eu estava enganado.
 
As indicações que recebemos foi para permanecermos ali e aguardarmos por novas instruções, comecei a sentir um pouco de frio pois tinha transpirado bastante e agora o corpo começava arrefecer e entao fui para dentro da viatura. Passados alguns minutos já estavamos todos dentro do carro, pois lá fora a temperatura tinha descido consideravelmente. Quem é bombeiro sabe muito bem do que estou a escrever, pois chega a uma hora que estamos de tal maneira cansados que qualquer cantinho serve para fazer “ninho”, e comigo não foi exceção, passado pouco tempo estavamos todos encostados uns aos outros a tentar descansar um pouco.
 
Estava eu a passar pelo sono, quando de repente alguém lá fora gritava a pedir ajuda, pois dois bombeiros tinham caído a poço, bem mais uma vez digo que quem é bombeiro sabe muito bem o que estou a dizer, e aquilo para mim foi como se me tivessem dado uma injecção de adrenalina, e rapidamente saltei do carro juntamente com os meus colegas para irmos em socorro dos nossos camaradas. É nestas alturas que nós esquecemos tudo, esquecemos o cansaço, esquecemos as horas, esquecemos o sono, desligamos de tudo e passamos a ter um único objectivo, socorrer quem precisa de auxílio. Os nossos camaradas tinham caído num poço com quase oito metros, e felizmente era um poço seco, estavam conscientes mas muito nervosos pois ninguém estava a contar cair a um poço, fizemos uma rapida avaliação da situação e demos conhecimento ao INEM do que se passava e pedimos apoio médico pois não sabiamos o verdadeiro estado deles, o INEM enviou para o local a viatura médica do hospital de Penafiel que rapidamente chegou ao local. Enquanto isto nós tinhamos que tirar os nossos colegas dali, e depois de termos a certeza que estes não tinham lesões de maior gravidade, chegamos à conclusão que os podiamos içar com as nossas mangueiras, e foi o que fizemos, falamos com eles, e um de cada vez amarraram a mangueira à cintura e conseguimos tirá-los cá para fora. Felizmente estavam bem dentro dos possíveis, mas muito atordidos com tudo o que estava acontecer, a equipa médica já tinha chegado e começou a prestar os cuidados médicos necessários.
 
É incrivel a força que possuimos dentro de nós muitas das vezes sem sabermos que a temos, naquela hora estava completamente exausto, e de um momento para o outro parece que todo o cansaço tinha desaparecido. Mas nós bombeiros somos assim mesmo, por vezes vamos buscar forças onde elas não existem, e nunca duvidem, que um bombeiro para cumprir com o seu dever no auxílio dos outros, por vezes vai buscar forças ao “fim do mundo” para cumprir a sua missão.
 

 
De salientar que os nossos colegas envolvidos neste incidente se encontram bem de saúde e apenas sofreram ferimentos ligeiros, para os colegas Manuel Ribeiro Couto dos bombeiros de Paredes e Fernando Sousa Coelho dos bombeiros de Cête, deixo aqui um grande abraço de amizade e de dever cumprido, Bem Hajam.
 
Quero também aproveitar esta situação, para vos deixar alguns alertas, principalmente aos bombeiros, a época florestal está quase a chegar, e não tenham duvidas que este vai ser um ano terrível em termos de fogos florestais, por isso preparem-se, mas acima de tudo tenham cuidado, tenham muito cuidado porque nada paga a perda de uma vida humana e muito menos num incêndio florestal. Eu costumo dizer se não há habitações em risco, não arrisquem em demasia porque não vale a pena.
 
Aos civis, a esses eu pessoalmente peço, não façam fogo nas florestas, não façam queimadas em dias de vento e previnam todo e qualquer tipo de risco de incêndio, afinal de contas a nossa floresta fica muito mais bonita “pintada” de verde, do que de cinza


      José Filipe
  Bombeiro de 2.ª
CB Entre-os-Rios


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por Diário de um Bombeiro às 14:29



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