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Autor: António Santos |
A Vida do Bombeiro é feita de lutas diárias. São tantas as situações que encontramos no nosso dia-a-dia, que mais do que ninguém conhecemos a que ponto pode chegar a crise.
Mesmo assim não baixamos os braços e pomos de parte as nossas próprias necessidades, para acorrer ao auxílio dos outros. Passou o Verão. E com ele o calor intenso e os incêndios florestais, que tanto nos custaram em floresta mas principalmente em vidas de colegas, amigos e familiares, que foram ceifadas.
O Outono entrou majestoso, com as cheias e inundações que deixaram famílias com perdas incalculáveis, vendo o esforço de uma vida ir, literalmente, por água abaixo.
Chegou o Inverno. Entramos agora na correria do Natal. São as compras, as visitas aos parentes que moram longe... E a televisão já nos bombardeia com propostas apelativas de prendas que podemos oferecer aos outros ou a nós próprios. A agenda política também ocupa grande parte do noticiário. O resto... são novelas, desenhos animados… programas de entretenimento. E sabe bem, com o frio que está lá fora, ficar no quentinho dentro de casa. Cenários que conhecemos tão bem...
Lá fora o frio corta a respiração... Alguém, a quem a idade já não perdoa as maleitas presenteadas pelo tempo que não passa, acendeu o seu fogão a lenha, a sua lareira... Vai comer a sua sopinha enquanto vê a novela. Os filhos estão criados… cada um na sua vida. Há muito que o jantar em família faz parte apenas dos aniversários e festas especiais. O fogo esmorece. Vai pôr mais um pauzinho.
Mas... ao colocá-lo na fogueira há uma brasa que escapa...
No quartel, os bombeiros que estão de serviço vão passando o tempo entre retornos, doenças súbitas, acidentes de viação... Há uma chamada. O piquete está reduzido pois alguns estão já em serviço... Toca a sirene...
No aconchego do seu lar, onde janta calmamente com sua esposa e filhos, o bombeiro ouve o telemóvel... SMS... Alerta de Incêndio...
"-Amor, é do quartel. Tenho de ir. Volto já."
A adrenalina dispara… O carro dá tudo o que pode e não pode na viagem até ao quartel. A corrida… Numa rapidez que não lembra a uma noiva, vestir o fato nomex, agarrar a cógula, as luvas e o capacete... Entra no carro. Entre curvas, rotundas e os encontrões entre todos, que a viagem proporciona, consegue colocar o ARICA às costas...
Chegada ao local.
Uma casa com décadas de histórias, está tomada pelas chamas.
O fumo é intenso. Preparam linhas de água... a equipa de buscas já entrou... dentro e fora outros combatem as chamas famintas.
Finalmente... o cenário que ninguém deveria ver...
Junto à lareira, um corpo inerte…
Não respira, não tem sinais de circulação...
Resgate imediato... Manobras... SIV... VMER... Família... Lágrimas... Dor...
E apenas mais uma vez como tantas outras... O fumo foi demasiado forte...
O Combate acaba, regresso ao quartel, regresso a casa.
Entrar de mansinho, uma espreitadela ao quarto das crianças...
"-Amor, cheguei."
Tantas vezes os incêndios urbanos poderiam ser evitados. A prevenção e sensibilização é cada vez mais escassa. Em contraste com a sensibilização para os incêndios florestais bem como para os acidentes rodoviários, ninguém parece estar interessado na sensibilização para a prevenção dos incêndios urbanos, que tantas pessoas vitimam. Neste Inverno, já que mais ninguém o faz... Façamo-lo nós.
Dedicado a todos quantos com abnegação abandonam o seu lar, o seu conforto a sua vida pessoal em prol dos outros, e a todos aqueles que ficam à espera do Bombeiro que saiu, nessa angustiosa espera, de alguém que todo o ano deixa a casa para ir dar o seu melhor, deixando os seus em cuidados.
Agradeço todo este texto a quem por mim espera... A quem nunca me deixou para trás e me dá a força para "esticar os limites", "dobrar as regras” e voltar, porque "Vai doer, mas tem de ser!".
A. Santos
in: Bombeiros.pt