O funeral do último bombeiro que nos defendeu até à morte foi ontem e forneceu mais uma ocasião para todos nos lembrarmos de que eles existem, aqueles que nos habituamos a ver como os soldados da paz. E que talvez por isso mesmo, por serem espécies de anjos da guarda, continuam a morrer em consequência de tudo e mais alguma coisa mas sobretudo das enormes dificuldades em evitarmos fogos urbanos e florestais.
O problema tem muitos anos e a sua persistência acabou por fazer aumentar o número de portugueses que reagem com um encolher de ombros, acrescentando em alguns casos palavrões de impotência para travar pirómanos.
Mas a ideia de que os bombeiros são os anjos da guarda que combatem os diabos dos pirómanos é perigosa porque reduz perdas humanas e materiais a uma espécie de fatalismo em redor de uma espécie de deus-fogo. Além disso, é bloqueadora dos movimentos de intervenção cidadã que possam ajudar políticos, do Governo e do poder local, a encontrar as melhores soluções para combater as grandes causas de incêndios, que são consensuais para todos os especialistas credíveis que já as detetaram e enunciaram.
A primeira dessas causas é a da permissividade no licenciamento de construções distantes, ou até isoladas, dos centros urbanos consolidados. Uma casa isolada ou uma simples estufa - como a que ontem ardeu no pinhal entre a Quinta do Lago e Vale do Lobo - significa um perigo instalado. Cabe ao poder local, através dos planos diretores municipais, zelar pelo licenciamento seguro de construções e urbanizações.
A segunda causa é a da falta de limpeza das terras, designadamente as de donos absentistas ou desleixados. Cabe também ao poder local fazer com que a lei se cumpra e que as terras sejam limpas pelos donos ou pelos serviços municipais e debitados aos prevaricadores, juntamente com multas suficientemente pesadas para que não reincidam.
A terceira causa é a das falhas no ordenamento florestal, que vão da falta de caminhos e corta-fogos à carência em espécies plantadas que sejam resistentes ao fogo. Cabe a todas as instâncias do poder colmatar estas carências - freguesia a freguesia, concelho a concelho, região a região.
A quarta causa é a da falta de vigilância e policiamento que favorece o crime de fogo posto. Até agora, não foi econtrada a fórmula que nos faça esquecer o trabalho profícuo dos antigos guardas florestais. E, mais uma vez, cabe a todos os níveis de poder encontrar a solução mista de prevenção e repressão. Se as equipas de vigilância terão de ser encontradas em recursos de proximidade, que as autarquias dominam mais facilmente, as equipas policiais terão de ser destacadas para este efeito segundo critérios e objetivos de políticas nacionais.
por Manuel Tavares