Ao tirarem a concessão das credenciais aos doentes não urgentes ficámos sem trabalho. Assim, não temos condições para continuar", diz Rui Pimenta, presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários do Montijo. Neste momento, a corporação tem nos quadros 42 assalariados. "Já mandámos embora oito e estão mais oito para ir", lamenta. E tudo porque, a acrescentar aos problemas económicos e financeiros que já têm, os bombeiros voluntários estão em vias de perder uma fonte de rendimento importante. Hoje, a Liga dos Bombeiros Portugueses entrega ao Ministério da Saúde uma contra-proposta ao despacho ministerial, que determina que o acesso ao transporte pago pelo Serviço Nacional de Saúde passe a ter de responder aos requisitos obrigatórios de prescrição clínica e insuficiência económica. Uma medida que levará a uma redução, quase para zero, do número de transportes feitos pelos bombeiros.
"Tivemos de fazer um investimento avultado em pessoal especializado, ambulâncias, e agora dizem-nos que não podemos fazer esse trabalho", explica Fernando Pessoa, presidente da Associação dos Bombeiros de Alcochete. O que mais custa, diz, "é que as populações não entendem porque deixamos de as transportar e viram-se contra nós". "Isto já não se vive, sobrevive-se. Mas nós somos culpados do que está a acontecer, não recusamos o auxílio a ninguém".
Os gastos com o combate a incêndios também são avultados. "Só passados muitos meses é que nos pagam, mas quem é que paga o desgaste das viaturas e do pessoal?", questiona Paulo Vieira, comandante dos Voluntários de Alcochete. A corporação está a trabalhar com equipamentos com 20 anos de vida. "Temos aqui uma fábrica de explosivos, outra de reciclagem de papel, mais os armazéns do El Corte Inglés e não temos material adequado, nem dinheiro para o comprar".
No Alentejo, a situação é dramática. Corporações como a de Montemor-o-Novo viram o serviço diário de transporte de doentes cair de 15 para apenas um. Nas últimas semanas, os Bombeiros de Mourão despediram seis funcionários, incluindo quatro motoristas, e preparam-se para reduzir em 50 por cento os efectivos. "A partir de Março vai haver mais despedimentos e aí fica em causa a operacionalidade do serviço de saúde, assegurada pelos assalariados", lamenta Alexandre Mendonça, presidente da Associação de Bombeiros de Mourão.
DISCURSO DIRECTO
"IREMOS PARA A RUA", Duarte Caldeira, Pres. Liga dos Bombeiros Portugueses
Correio da Manhã – Quais são as expectativas com a entrega de uma contra-proposta ao Ministério da Saúde?
Duarte Caldeira – Expectativas positivas, no pressuposto de o Ministério da Saúde e a Liga estarem igualmente interessados em garantir o transporte de doentes.
– E se não conseguirem nada?
– Seremos forçados a adoptar formas de protesto na rua, que sempre evitámos em defesa das instituições que representamos e dos cidadãos que servimos.
– O que é mais grave nestas novas medidas?
– Agravarem a já débil situação económica e financeira das Associações dos Voluntários.
ESTORIL PERDE 10% DAS RECEITAS
Localizados numa zona em que a população tem elevado poder de compra, os bombeiros dos Estoris, no Estoril (Cascais), perderam 10% das receitas – dois mil euros por mês – com os cortes nos pagamentos no transporte de doentes, disse o comandante Carlos Coelho. A prestação de socorro à população não está, contudo ameaçada. A exemplo de outros concelhos, a autarquia paga os piquetes realizados. Os discursos da celebração dos 88 anos dos bombeiros dos Estoris ficaram marcados pela ameaça de encerramento de quartéis e necessidade de proceder a despedimentos de pessoal, perante o corte de verbas que, para algumas corporações, representam mais de 80% das receitas, explicou Rama da Silva, vice-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses.
VIZELA GARANTE VIAGENS GRÁTIS
"Os nossos utentes vão continuar a ter transporte gratuito, enquanto for possível para esta corporação", afiançou ao ‘CM’ o presidente dos Bombeiros de Vizela, João Ilídio Costa. Os voluntários vizelenses fazem cerca de 350 transportes semanais, mas já sentiram um decréscimo na procura.
DOENTES ONCOLÓGICOS SEM TRANSPORTE
Os cortes nos transportes dos doentes não urgentes afectam milhares de utentes em todo o País, mas é nos meios rurais e envelhecidos que mais se fazem sentir. No Alentejo, são muitas as dificuldades em suportar as despesas, tanto nos medicamentos como no transporte para os tratamentos.
Manuel Repas, de 61 anos, mora em Portel. Doente oncológico, sofre de uma doença crónica nos ossos, que o obriga a deslocar-se ao Hospital de Évora, a 45 quilómetros, uma vez por mês. Reformado por invalidez e com um rendimento mensal de apenas 385 euros vê-se agora obrigado a pagar o transporte efectuado pelos Bombeiros Voluntários de Portel.
"Temos uma despesa mensal de cerca de 150 euros com medicamentos e transporte, o resto dá apenas para comer", disse Manuel Repas. Para tentar poupar algum dinheiro, o reformado divide o transporte com outros doentes.
O mesmo se passa com a esposa de William Braga, Sylvia Roussenq, que se encontra numa cadeira de rodas devido a um tumor na coluna. "Acompanho sempre a minha esposa, que se desloca duas vezes por mês ao hospital. Pagamos 31 euros", contou o marido da doente.
Com a pequena reforma de Sylvia e tantas despesas com a saúde, William não pode "sequer pensar em deixar de trabalhar". "Temos a renda de casa para pagar e outros encargos que não podemos descuidar", garante.
"PASSÁMOS DE 30 PARA UM SERVIÇO DIÁRIO"
Em Portel, distrito de Évora, a corporação de bombeiros reduziu de 30 para apenas um o transporte diário de doentes. "Vimos os serviços diminuir exageradamente e há dias em que nem um fazemos", disse José Campaniço, comandante dos Bombeiros Voluntários de Portel.
" Estamos a conseguir aguentar o pessoal, mas daqui a dois ou três meses vamos ter de dispensar uns quantos funcionários", garantiu ao Correio da Manhã. Uma situação que é vivida por outras corporações da região.
in: CM