A corporação de bombeiros de Castro Daire deixou oficialmente de combater incêndios anteontem às 22h. A decisão foi tomada numa assembleia-geral e é motivada pela falta de dinheiro e de combustível. O passivo da associação já vai nos 300 mil euros e o fornecedor do gasóleo decidiu cortar o plafond aos bombeiros devido a uma dívida acumulada de mais de 40 mil euros. Ontem o Ministério da Administração Interna (MAI) anunciou que irá adiantar a verba mensal do Programa Permanente de Cooperação (PPC) – que costuma ser paga no dia 22 de cada mês – aos corpos de bombeiros em dificuldades. São cerca de 300 mil euros para cem corporações.
Castro Daire é uma das contempladas. “O maior problema é o dinheiro que nos devem”, garante o presidente, António Pinto. Só a câmara deve aos bombeiros mais de 79 mil euros; a Administração Regional de Saúde (ARS) 4 mil. No total, a corporação tem 120 mil euros na rua. E não é caso único. De norte a sul, poucas são as associações que têm as finanças equilibradas. O principal problema, dizem quase todas, é que ninguém paga o que deve aos bombeiros.
Na serra da Estrela, a corporação de Seia não paga aos fornecedores há dois meses e as dívidas já ultrapassam os 30 mil euros. Paulo Hortênsio, o presidente dos bombeiros, teme ficar sem combustível, sem pneus e sem mecânico. “Estamos a fazer troca de dinheiro. Todos os dias vamos ver os extractos da conta, na esperança de que alguém nos pague para que possamos saldar as nossas dívidas”, confessa. Só de serviços particulares não urgentes os bombeiros de Seia têm mais de 45 mil euros por receber. Dinheiro que Paulo Hortênsio diz ser irrecuperável. “Estamos a falar de idosos que não têm quem os vá buscar ao hospital, com reformas baixíssimas e que vivem em aldeias isoladas”, explica. Mesmo assim, os maiores devedores são os hospitais, “que pagam sem periodicidade fixa”. A Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda, por exemplo, está a pagar os cerca de 17 mil euros mensais, referentes ao transporte de doentes, com três meses de atraso.
Também há corporações que já tiveram de pedir empréstimos ao banco para sobreviver. É o caso dos Bombeiros das Caldas da Rainha. As contas, diz o presidente, Abílio Camacho, andaram “direitas” até há quatro anos, mas agora o dinheiro mal chega para pagar os 40 mil euros de salário aos 120 bombeiros no activo. De três em três meses, a corporação recebe 10 500 euros do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), mas a verba não chega, garante o presidente, para cobrir as despesas que os bombeiros têm para poder prestar serviço ao INEM. “Cada viagem é paga a 6 euros, independentemente do número de quilómetros que fizermos”, queixa- -se. Contas feitas, o posto fixo do INEM nas Caldas da Rainha dá um prejuízo anual aos bombeiros da ordem dos 120 mil euros. A corporação diz estar por isso a “ponderar” rescindir com o instituto. No que diz respeito às cobranças difíceis, o presidente garante que os bombeiros têm mais 140 mil euros por receber. Também aqui os maiores devedores são os hospitais. “Este ano prevê-se um Verão complicado em matéria de incêndios e a verdade é que não sei como vamos pagar o combustível dos carros”, admite Abílio Camacho.
Mais a sul, em Alcochete, os bombeiros ainda não receberam o ordenado de Fevereiro e o adjunto do comando, Ricardo Gonçalves, diz que têm faltado voluntários “porque não há capacidade para pagar refeições e deslocações”. Além de faltarem voluntários, também começam a escassear beneméritos. Os bombeiros de Alcobaça dizem que por enquanto as contas ainda estão equilibradas, graças à ajuda de mecenas. Mas este equilíbrio deverá durar pouco tempo. O presidente, Mário Cerol, diz que os beneméritos estão a desaparecer por causa da crise e que as cobranças difíceis não param de aumentar: só o Ministério da Saúde deve 78 mil euros. Já a corporação de Almeirim está à espera que a ARS e os hospitais da zona paguem um total de 90 mil euros. Por causa da dívida, queixa-se a direcção, os bombeiros já não são aumentados nem têm direito a qualquer subsídio há mais de dois anos. Pior sorte tem a corporação de Famalicão da Serra, na Guarda, que tem recebido os ordenados com atraso. Segundo o presidente, António Fontes, o INEM está a pagar três meses atrasado e a câmara já não paga aos bombeiros o subsídio anual de 25 mil euros desde 2008.
Outras corporações estão a dispensar pessoal. Em Melgaço, essa hipótese poderá ser posta “em breve”. Desde o fecho do SAP que o hospital mais próximo fica em Monção, a 25 quilómetros. O transporte de doentes passou a ser assegurado pelos bombeiros, só que os 30 euros por viagem que a corporação recebe não chegam para o transporte até às freguesias mais distantes da sede de concelho, garante a direcção. Em Albergaria, os bombeiros têm mais de 120 mil euros na rua. Aqui a maior parte do dinheiro – 80 mil euros – é referente a serviços prestados a particulares. A direcção já nem espera reaver essa quantia: “São dívidas de pessoas idosas, que acabam por morrer e os herdeiros recusam-se a pagar”, diz a corporação – que dentro de três meses ficará sem dinheiro para pagar ordenados. Há poucos dias, os bombeiros de Amares não puderam combater um fogo no Parque Nacional Peneda Gerês por falta de combustível. Um carro chegou a ficar parado, sem gasóleo, no meio de uma estrada a caminho do incêndio.
Fonte: iInformação Com Marta F. Reis