A Área Metropolitana de Lisboa (AML) não aprendeu nada com as cheias que ocorreram há quatro anos e o mais provável é o cenário repetir-se se ocorrer outra situação de chuva intensa, disse à Lusa um especialista.
«Se a AML está melhor preparada para fazer face a uma situação de chuvada intensa? A resposta é que não está», afirmou José Luís Zêzere, professor no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa.
As cheias que ocorreram na Grande Lisboa (concelhos a norte do Tejo) a 18 de Fevereiro de 2008 provocaram dois mortos (as ocupantes de uma viatura que caiu na ribeira de Belas, em Sintra), cinco feridos e 179 desalojados, segundo a Autoridade Nacional de Protecção Civil.
O mau tempo, suscitado por fortes chuvadas, causou na região de Lisboa (inclusive na península de Setúbal) centenas de inundações em casas, lojas e estradas, o encerramento de escolas, cortes no abastecimento de água, luz e gás e perturbações na circulação de comboios e no metropolitano da capital.
Para o especialista em riscos e vulnerabilidade na AML, «há dois níveis de intervenção» que se podem programar. Um deles prende-se com o ordenamento do território: não obstruir canais fluviais, não construir em cima dos leitos das ribeiras e não agravar as áreas impermeabilizadas das pequenas ribeiras, entre outros.
«Outra opção seria tirar a construção já existente, mas isso é muito complicado e o país não tem dinheiro», disse o professor, acrescentando que «deveria ser proibido» construir nesses locais.
Por isso, sublinhou que «todas as medidas políticas que salvaguardem a não implementação de novas construções nos leitos das ribeiras contribuem para que a situação não piore».
A curto prazo, defendeu, devem ser tomadas «medidas pontuais para resolver problemas de constrangimento ao escoamento».
Afirmando que não pretende uma «intervenção a grande escala», o especialista falou de uma «correcção quase cirúrgica de problemas já identificados» e deu como exemplo a cidade de Sacavém (Loures), que está muito vulnerável às cheias.
José Luís Zêzere disse ainda que a Protecção Civil, o Instituto de Meteorologia e o Instituto da Água deviam concertar as suas acções no sentido de melhorar o sistema de alertas e de acompanhamento das situações.
«São chuvadas muito curtas no tempo e têm de ser antecipadas com alguma margem. Não houve um aviso meteorológico eficaz para antecipar uma situação como aquela», afirmou.
Contactado pela Lusa, o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, que acompanha as questões do ordenamento do território e elaborou o Plano Verde de Lisboa, afirmou que a AML «não está preocupada» com estas questões.
«As cheias são resultantes do que está mal feito em termos urbanísticos. Entretanto [desde 2008], aumentou de forma caótica a área urbanizada porque é isso que dá dinheiro e votos», criticou.
Gonçalo Ribeiro Telles lamentou também que a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional sejam consideradas «um obstáculo ao crescimento urbano».
Um relatório do Instituto de Meteorologia de Dezembro de 2008 referia que a chuva intensa entre os dias 17 e 18 de Fevereiro daquele ano «apresentou os valores mais elevados de precipitação na região de Lisboa e Setúbal» e que «nenhum dos modelos determinísticos operacionais deu indicação dos valores» registados.
Em Lisboa, «os valores previstos em 24 horas estão entre cerca de um sexto e um terço dos valores ocorridos. É de referir que a probabilidade de a precipitação acumulada em 24 horas ser superior a 20 milímetros apenas excede 80% no dia 16, situando-se abaixo dos 40% nos dias anteriores», indicava o documento.
Lusa / SOL